22/03/2019

Jacinta Ardern...

Mais um texto para o jornal Entre Margens:

Ouvi falar pela primeira vez da primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinta Ardern, há cerca de 5 meses, quando se deslocou aos EUA para participar na 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas. O facto de ter sido a 2ª líder mundial a ter um filho enquanto em funções e a primeira a levar um bebé para o auditório da ONU chamou a atenção da imprensa internacional. Na altura, acompanhei a sua entrevista no programa "The Late Show with Stephen Colbert" e apreciei a sua atitude simpática, acessível e inteligente durante toda a conversa. 

Estes dias lembrei-me que também já a tinha visto num outro programa de comédia americano, "Last Week Tonight", numa rubrica sobre o facto de a Nova Zelândia não aparecer em muitos dos mapas-mundo, até mesmo em mapas expostos em aeroportos internacionais. Este lapso é frequente e já gerou reclamações por parte das entidades neozelandesas.

Por estes dias, pelas piores circunstâncias, a Nova Zelândia entrou no mapa e nas notícias de todo o Mundo, na sequência do atentado terrorista em Christchurch, em que um supremacista branco matou 50 pessoas em duas mesquitas. 

Esse homem, que filmou e transmitiu em direto todas as suas ações e que publicou um manifesto de extrema-direita, tinha como objetivo obter fama e visibilidade para os seus ideais racistas. Mas a Nova Zelândia, nomeadamente a sua primeira-ministra, Jacinda Ardern, recusou-lhe o protagonismo e optou por não mostrar a cara do terrorista durante as audiências em tribunal e nem sequer se referir ao atacante pelo nome próprio.

“Ele é um terrorista, um criminoso, um extremista, mas quando eu falar, ele não terá nome. E imploro-vos: falem dos nomes dos que perderam a vida, em vez do homem que as levou. Ele pode ter procurado notoriedade, mas nós, na Nova Zelândia, não lhe vamos dar nada, nem mesmo o nome”, disse Jacinda Ardern durante o seu primeiro discurso no Parlamento desde o atentado. Há quem não concorde com esta postura e que se considere no direito de ver e de saber tudo em relação a este tipo de tragédias. Eu sou da opinião que quem quer ver e saber mais, pode sempre pesquisar; não concordo que todos tenhamos que ser expostos, de uma forma tão gratuita e cada vez mais rotineira, à violência provocada por pessoas que só pretendem gerar o ódio, a divisão e o medo.

Nessa comunicação, que iniciou com a saudação árabe "As-Salaam-Alaikum", que significa "a paz esteja com vocês", Jacinda Ardern recusou-se em dividir o país em “nós” e “eles”, em destacar a comunidade muçulmana em relação às restantes comunidades: “Nós somos um, eles são nós”. 
Abordou ainda três pontos importantes: tolerância religiosa, redes sociais e restrições a armas. Neste último ponto, a Nova Zelândia tomou uma decisão que vai ao encontro da opinião de muitos especialistas: estes ataques não se evitam com mais armas espalhadas pela população, mas sim com leis mais restritivas de acesso às mesmas e, por essa razão, vai proibir a venda de armas semiautomáticas de estilo militar a partir de Abril.

A primeira-ministra neozelandesa destacou-se também na sua visita a Christchurch, logo no dia a seguir ao massacre, por ter usado um véu e por ter conversado longamente e abraçado quem estava a fazer o luto pelos seus familiares. Nós em Portugal estamos acostumados ao “estilo Marcelo”, mas este afeto a desconhecidos é mais estranho em países anglo-saxónicos. E, embora a utilização do véu tivesse sido criticada, muitos dos sobreviventes do ataque entrevistados consideraram essa ação como um sinal de respeito e de apoio.

O discurso pacifista, as ações humanas e o forte pulso de Jacinta Ardern têm sido elogiados por muitos que, como eu, vêm nela uma esperança, um foco de luz num Mundo obscurecido por líderes políticos populistas com ideais totalmente antípodas dos meus. Espero que a sua luz prevaleça.

2 comentários:

FFreitas disse...

(bravo, bravo)
Ficas a saber que abandonei o cargo e fica agora tudo por tua conta. Não consigo competir com textos desta categoria! :)

Pródiga disse...

Ehehehe! Não só consegues, como superas com uma perna atrás das costas... :P
Beijinhos